Giovana Xavier homenageia a ativista feminista bell hooks

17/12/2021 1730 visualizações

Em depoimento emocionado, a autora de História social da beleza negra (Ed. Rosa dos Tempos), Giovana Xavier, relembra a importância de bell hooks em sua formação intelectual e se despede da escritora e ativista, que faleceu aos 69 anos. “Para sempre dançaremos as suas palavras”, .

Confira o depoimento na íntegra:

bell hooks é daquelas pessoas donas de uma presença que sempre tem algo a nos ensinar. Até mesmo com sua morte. Da qual soube não pela imprensa, mas por estudantes universitárias, o que recebi como um presente de amor. Ser comunicada da passagem de alguém tão especial em minha trajetória por jovens negras, que junto a links da grande mídia, emojis e depoimentos emocionados estão a registrar seus sentimentos de amor, gratidão e reconhecimento do grande legado intelectual deixado por esta grande mulher.

Tenho muitas histórias para contar de minha relação com a escrita de bell hooks,  pensadora de alma livre, inteligência preciosa e compromisso inabalável com teoria e prática. Uma relação tão bonita e intensa que me faz tê-la em minha vida como amiga íntima, confidente, referência intelectual e de vida. Foi estimulada pelas suas ideias que aprendi a ler em inglês na década de 1990, em um tempo bastante diferente de hoje, no qual a inexistência de autoras negras nos currículos acadêmicos quando não ignorada era tratada como incapacidade intelectual nossa. Hoje ainda há muito o que avançar, mas o cenário é outro e devemos sempre lembrar que o “abraço da mudança”, para usar uma expressão de bell, do mercado editorial brasileiro é resultado de lutas históricas de mulheres negras.

A presença de bell hooks é tão marcante em minha trajetória que em 2014, ao lado de mulheres negras como as educadoras Azoilda Loretto da Trindade (ancestral), Claudielle Pavão, Marra Muniz Bento e Janete Santos Ribeiro, fundamos o Grupo Intelectuais Negras em 2014 e que dois anos depois se tornaria o Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras UFRJ. Nomeado em homenagem a um dos mais preciosos textos de bell, “Intelectuais Negras”, hoje com sete anos de vida, este grupo, espaço pioneiro de formação acadêmica baseado no pensamento feminista negro, é referência científica que inspira e respalda novas gerações de cientistas, especialmente intelectuais negras, para aprenderem a valorizar as histórias pessoais, a escrita na primeira pessoa e a intelectualidade de mulheres negras como eixos fundamentais do processo de tornar-se uma acadêmica conectada com os saberes e demandas da comunidade negra no Brasil e na diáspora.

Lembro de relatos diários, com brilho e lágrimas nos olhos, trazidos por jovens negras sobre o “encontrarem a si mesmas” após a leitura das obras de bell hooks, “em uma sala de aula conduzida por uma professora negra na UFRJ”. Lembro também da corajosa aposta de bell em compartilhar histórias evidenciando a sala de aula como o lugar para viver a educação como prática da liberdade. Uma aposta que por todos esses anos tem me ensinado sobre minha missão espiritual como mãe, professora, escritora, ativista. Em desague, lembro de uma das suas frases nas quais até hoje encontro abrigo quando o tempo fecha. “Eu tinha medo de ficar presa na academia para sempre”. E, complemento meu: “por isso resolvi ensinar, escrever e pesquisar sobre o poder de contar histórias”. Eis o ponto onde as almas de duas mulheres negras encontram-se para juntas dançarem e celebrarem o poder criativo, curativo e libertador de aprender sobre nós mesmas ensinando sobre nós mesmas. Um poder de ser humana que faz bem para todas as pessoas.

Obrigada, bell hooks. A sua chegada em Orún, liderada por Iansã, a grande mãe educadora, é a garantia de que para sempre dançaremos as suas palavras. Axé!

Giovana Xavier, professora da UFRJ, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras, autora de ‘História Social da Beleza Negra’ (Ed. Rosa dos Tempos).