O Prêmio Jabuti anunciou a poeta mineira Adélia Prado como a Personalidade Literária da 62aedição do evento, que acontecerá em novembro deste ano. Segundo a Câmara Brasileira do Livro, Adélia foi a homenageada escolhida “por sua obra e seu compromisso intenso com as artes, e principalmente com nossa literatura”. A escritora foi vencedora do Jabuti em 1978, dentre inúmeros outros prêmios nacionais e internacionais, como reconhecimento de seu talento e colaboração com a poesia de nosso tempo.
Natural de Divinópolis, no centro-oeste de Minas Gerais, Adélia é um dos nomes mais importantes da poesia contemporânea brasileira. Sua carreira na literatura publicada inicia quando decide enviar, em 1976, o manuscrito de Bagagem para Affonso Romano de Sant’Anna, então crítico literário do Jornal do Brasil, que, encantado, apresentou-o a Carlos Drummond de Andrade. O poeta, também mineiro, não só admirou-se, como viabilizou a primeira publicação de Adélia e passou de ídolo a admirador.
“Lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis”– Carlos Drummond de Andrade
Orgulhosamente, a obra de Adélia Prado faz parte do catálogo da Editora Record, que lançou em 2015 “Poesia reunida”, uma edição de luxo, com acabamento em capa dura, para celebrar grandes sucessos de uma das mais renomadas autoras brasileiras, que sabe como ninguém retratar a alma e os sentimentos femininos em seus poemas, contos e romances. Outros livros de Adélia Prado podem ser conferidos aqui.
Para celebrar a escolha de Adélia Prado como Personalidade Literária do Ano do Prêmio Jabuti, leia três poemas da autora:
Dona Doida
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.
Janela
Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão. Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
claraboia na minha alma,
olho no meu coração.
Amor Feinho
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.